terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As três fases do amor.

Vi-te e desejei-te. Tinhas porque tinhas de ser meu. Senti um mau estar físico por não te ter, o ritmo cardíaco acelerava de cada vez que pensava em ti. Perdi o sono , perdi a vontade de comer. A minha razão de viver eras tu, tão inalcançável,  tão belo, tão longe de mim. Sabia  que tinhas de ser meu. Cortejei-te, segui-te, não te perdi  de vista só um instante. Mas de nada resultou e a minha paixão por ti só aumentou, assim como o meu desespero.É a esta fase que os  entendidos chamam a fase da luxúria  e eu chamo-lhe a fase do desespero, tão forte que o desejo estava entranhado em mim.
Até que, por fim, cedeste. Foste chegando mais perto, cada vez mais perto, quase que te podia tocar. E nesse momento foi a minha vez de me fazer difícil. Esperei e esperei até ao limite da paciência, até ao limite da loucura. E, passado tanto tempo, agarrei-te para a vida. 
Agora, estamos na fase do enamoramento e eu sei que nada nos irá separar. Tu foste feito para mim e eu cuidarei de ti para sempre.Todo o meu tempo e energia serão dedicados a ti, tu serás a luz dos meus olhos.  Cada vez que olho para ti percebo que não és um entre iguais, és o tal!Aquele que se destaca no meio da multidão. The one! 
E, quando chegarmos à terceira fase, a que todos chamam amor e os cientistas chamam  fase da permanência, em que os dois se tornam um durante um longo tempo que pode ser toda a vida, juro-te meu querido vestido preto e branco, que cuidarei de ti até que a tua malha se desbote ou o meu corpo te rejeite e me deixes de servir. Mesmo assim lembrar-me-ei de como fomos felizes e de como me ficavas tão bem.



 Posso resistir a tudo, menos à tentação.

Óscar Wilde in O Leque de Lady Windermere.





terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Lance Armstrong: culpado ou vítima dos tempos?

Resposta à pergunta: culpado. Culpado, culpadíssimo, extra culpado. Vi, com muita atenção, a entrevista que o ciclista deu à Oprah. Foram duas horas e meia de ataque, perguntas directas e pouca margem para escapatória. E o resultado é só um: Lance Armstrong é batoteiro, arrogante e mentiroso até ao último grau.
No entanto, houve algo que me faz atenuar o meu próprio julgamento de Lance Armstrong.  A certa altura, o ciclista fala da cultura dos anos 90. E se há coisa que eu me lembro muito bem foram os anos 90. 
Os anos 90 foram os anos da cultura do sucesso. Não havia crise económica nenhuma e todos os filmes e todas as séries falavam de sucesso. Falavam do sucesso na banca, falavam da família perfeita, falavam de histórias do pobrezinho que se tornou milionário. Todos vibrávamos com Beverly Hills 90210,o grupo de betos que sofria com o sucesso. Friends retratava o grupo de amigos que sofria de amores e injustiças mas  que atingia a felicidade  monetária e pessoal no fim da história. E de filmes, basta citar Wall Street.  Quem não se lembra da ganância da bolsa, a tentativa de atingir o sucesso a qualquer custo?  O bem ganhava, mas o sucesso era demasiado tentador  e  este filme foi, para tantos, uma escola de vida.As revistas femininas, masculinas e  as do coração apresentavam os empresários  e as empresárias do ano,  davam conselhos sobre como subir na carreira e conselhos sobre como nos devíamos vestir para subir no escritório. Haviam cursos de sobrevivência para empresários, com treino militar, para que estes não sucumbissem às emoções mas fossem duros e implacáveis a negociar. E a Católica formava os nossos implacáveis gestores de sucesso, os CEO do futuro. Foi o tempo em que a escala da nossa vida era medida pelo bom emprego que tínhamos ou não, pelo dinheiro  que tínhamos ou não, pelo sucesso que tínhamos ou não. E ganhar era a palavra de ordem.
Ganhar na vida como no desporto. Ser implacável e atingir o objectivo final. Ganhar sempre. Ter sucesso sempre.
Não quero com isto desculpar o Lance, como é óbvio. Quero apenas que reflictamos que nós ,como sociedade, aceitamos e assumimos um modelo. E esse modelo, quando aplicado, pode trazer consequências feias e que depois negamos, como se nós não percebêssemos o que se passou e nenhum de nós , alguma vez, pudesse ter tido aquela reacção. Não acredito em culpas colectivas, nada disso. Mas também me aflige a subida idolatrada de um anjo e a queda de um demónio. E creio que todos nós, como sociedade, devíamos pensar mais na substância das coisas do que no folclore que as rodeia.
Lance é culpado? Absolutamente. E nós, como sociedade, somos inocentes? 

"O sucesso: / entre os mortais, este é um Deus  ou melhor, mais do que um Deus."

Ésquilo, as Coéforas.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os que partem!

Mais um a partir. Tem sido assim, quase todos os meses: mais um amigo que parte. Mais um familiar que decide que já chega de pobreza e volta para o país que pensava já ter deixado de vez. Novos e velhos emigram todos os dias. Emigram os analfetos, os com pouca escolaridade e os mais bem preparados de sempre, muitos com mestrados e doutoramentos.Partem todos.
O aeroporto de Lisboa deixou de ser local de partida para férias felizes e aventuras desejadas noutros locais do mundo, para se tornar cemitério de afectos com muitas lágrimas de despedida.
A minha emigração não é a mesma dos meus pais, dos meus tios e dos meus avós. Os que agora partem levam no coração o país que os viu nascer mas  Portugal já não será o país onde se vem morrer. Parte-se sem vontade de algum dia regressar, de construir a sua casa na terra. Parte-se sem esperar um ano inteiro por aquele querido mês de  agosto porque " vale mais um mês aqui que um ano inteiro lá", como cantava Dino Meira. Parte-se sem volta. O país que os receber será o país que os verá crescer, viver e morrer. E será esse país que fará os muitos portugueses  felizes porque lhes dará o que Portugal não deu: um futuro.  Portugal será só uma memória algumas vezes risonha, algumas vezes triste mas sempre distante.A saudade do bacalhau e dos pasteis de nata baterá à porta muitas e muitas vezes mas a alegria da moamba e dos peixes fumados do país que agora é deles ,atenuará as lembranças daquele país com sol, com mar e com imensas potencialidades sempre prometidas e nunca cumpridas.
Talvez o fado de Portugal seja esta eterna ausência de esperança. Acreditamos no que poderemos ser mas nunca somos.E como nunca somos, novos mares, novos rios, novas terras nos abraçam. E pouco a pouco ficará ainda mais vazio  este país desertificado de onde os velhos têm de sair e os mais novos não querem voltar.E pouco a pouco, todos partem.


Onde me levas, rio que cantei

Onde me levas, rio que cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me leva?, que me custa tanto.
Não quero que conduzas ao silêncio
duma noite maior e mais completa.
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.

Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos.
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos, com espasmos.

Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra fase na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca. 
Eugénio de Andrade in As Mãos e os Frutos

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Fernando Pessoa ou a (In)Glória de ser Português!

Quem é este homem estudado nos nossos livros da escola a quem a minha horrível professora de português descreveu como o" poeta que morreu de cirrose"? Amado por muitos, Fernando Pessoa não teve a consideração em vida que  a sua mente genial deveria ter tido. Homem de paixões, provavelmente esquizofrénico mas de uma lucidez sobre o mundo que mais ninguém teve ou tem, Fernando Pessoa transformou-se em muitos  outros que mais não eram que a essência de se ser Português: a multipluridade do que somos, as culturas que abrangemos e a capacidade de ser absolutamente bom ou tremendamente mau.
O que me espanta em Pessoa é a sua capacidade para o sofrimento: genial mas enfiado num escritório de contabilidade, aturando muita gente idiota que ocupava cargos acima de si. Portugal de ontem e Portugal de hoje: os piores a ocuparem cargos e regalias, os melhores a ocuparem sonhos e subjugações.
E, mesmo assim, mesmo sem lhe deitarem rosas a cada poema que escrevia, sem lhe baterem palmas de cada vez que saia à rua, recusando-lhe o cargo de director do Museu de Cascais por não ter capacidades ( o que seria esse museu, só imaginando...), Fernando escreveu o poema mais arrepiante sobre Portugal, carregado de beleza, magia e grandiosidade.  E isto faz-me  pensar que ser Português é a inglória dos geniais ou será que Portugal merece ser amado por aqueles que maltrata mas que ainda sonham por um Portugal  que se cumpra?Talvez Deus queira, o homem sonhe e a obra nasça, contra ventos e tempestades, contra as injustiças, contra as mesquinhezes que nos proíbem de ser mais do que somos.É uma pena, porque falta cumprir-se Portugal!

Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagroute, e foste desvendando a espuma,


E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.


Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!


Fermnado Pessoa, O Infante,  Mensagem

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Afastem-se de mim, estou de dieta!

Resolução de 2013: ser mais cínica e não tão honesta. Resultado final:  falhanço completo. 2ª resolução de 2013: fazer dieta. Aqui é que é pior. Estou mesmo disposta a cumprir esta promessa(a outra confesso que nunca estive, mas gosto de pensar que posso ser mais doce algum dia), este  desejo profundo de ser um mini mini Irina cá do Burgo. Sonhar não custa, fazer dieta é que é pior.
Já eliminei todos os hidratos de cardono, a minha casa é um festim de frutas, legumes e massas integrais. Não passo pelos cafés para não me tentar, não vou jantar fora para não ter de pedir peixe grelhado com legumes e pagar balúrdios por algo que até em casa odeio.
Portanto é assim: estou de dieta. Se já vi resultados sim senhor: passados 4 dias perdi 2 cm na cintura. Há quem se pese, eu meço-me.Assim, só para ser diferente.Portanto está a resultar!
O meu cérebro é que não ajuda. Pensa que há tantas crianças com fome em África e eu com três fatias de bolo de chocolate no congelador. Pensa que há famílias a passar mal em Portugal e eu com doces de leite e mousses de chocolate congelados à espera de melhores dias. O meu cérebro diz-me que devo respeitar as minhas vontades e atacar todos os doces por respeito pela humanidade. Não há nada mais respeitoso do que respeitar a humanidade prestigiando-a a comer doces sem pensar no amanhã! Ah, quanto eu amo essa humanidade. 
O meu corpo diz-me que está a gostar da dieta, que se sente um bocadinho mais leve,  "força, continua" diz-me ele a toda a hora!
Portanto, que devo fazer? Nem o Profeta tinha estas interrogações tão dramáticas, aposto que no tempo dele não havia classe média nem excesso de peso!...Assim é fácil pregar, assim magro também eu!
Bem, vou continuar com a dieta. Vou odiar toda a gente que não lhe custa nada emagrecer ou outras que nem engordam. Vou criticar ferozmente Irinas e Schiffer e Banks deste mundo e do outro.Oh, preparem-se. Não haverá nem mais um episódio do America's Next Top Model visto sem um ataque feroz de ódio e desespero. Nem mais uma Gabriela sem ataque redobrado de puro ódio a todas as actrizes. Nem mais uma série... bem, já perceberam não é?Odeio gente magra!E gira! E...Pronto, vou parar. Mas fica aqui o Aviso.

Aviso:. Os próximos meses não serão faceis e a culpa será toda de gente alheia. Gente magra e elegante, afastem-se de mim!

domingo, 6 de janeiro de 2013

A felicidade não deveria fazer parte do orçamento do Estado?


O que é a felicidade? Esta pergunta tem-me atormentado nos últimos dias, o que não é sinónimo de coisa muito feliz. Estou verdadeiramente preocupada com a felicidade, o que é muito diferente de ser feliz. Ser feliz é uma série de bajulações pensadas para preencher a nossa vida: para ser feliz preciso de dinheiro, saúde, casa e outras coisas que tal. Ser feliz é ser quantitativo: toda a gente sabe o que precisa para ser feliz ou pensa que sabe.
Mas a felicidade é outra coisa. Felicidade é um conceito global, em que precisamos de um grupo que o partilhe para existir. A felicidade é colectiva e partilhada;  ser feliz é único e individualista.
Há pessoas que para serem felizes não precisam que os outros o sejam. Existem até pessoas que preferem que os outros não o sejam. Assim, provam a sua superioridade, a sua magnificência, a sua " competitividade".Todos nós conhecemos algumas destas pessoas, não é?
Mas a grande maioria da humanidade é tanto mais feliz quanto os outros sejam felizes. Chama-se partilha, bom coração, essas coisas que o PIB não quantifica. Porque o PIB não é mais do que isto: a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região, durante um período determinado. Ou seja, o  Produto Interno Bruto.PIB.
Então onde fica a cultura, o meio ambiente, ou a boa governação? O PIB garante um desenvolvimento social e económico igualitário? Se olharmos atentamente para Portugal em 2013, e ainda estamos só em dia 6, a resposta é... Não! O PIB mede-se sem olhar se os pobres recebem menos, sem olhar a cortes cegos, sem medir a tristeza e o desespero  que já chegou a muitas famílias e indivíduos neste pais. O PIB só mede e portanto se existirem mais ricos que pobres (não importa como) o PIB de um país é mais rico. E como esses pobres vivem é problema deles, o PIB não quer saber. E então está tudo bem! Só que não está tudo bem, pois não?
Um país devia medir-se, para além da troca de bens e serviços, pela promoção de um desenvolvimento socio-económico sustentável e igualitário,preservação e promoção dos valores culturais,conservação do meio ambiente natural e Estabelecimento de uma boa governança. E a estes quatro valores chamamos FIB: Felicidade Interna Bruta. Aplicada no Butão, que erradicou o PIB e introduziu o FIB, este país demonstra que é o conjunto destas coisas que importa, mais que números finais.Resultado: este é o país mais feliz do mundo, com níveis de bem- estar elevados. Não têm tantos bens como nós, é certo, mas são mais felizes.Porque confiam nos políticos, porque reconhecem a sua cultura, porque estão em comunhão com a natureza. E afinal o que importa ter mais tvs, mais coisas e não ser feliz?  Não sabemos como vamos continuar a consumir e por isso ficamos mais tristes? E ficamos mais felizes quando temos mais que o vizinho e por isso temos medo dele e nos fechamos em condomínios privados, com piscinas e seguranças? É este o mundo onde queremos viver?
Está na altura de alguém apresentar ao Gaspar o FIB. E aposto se este o aplicar vamos ter um país mais feliz e, quem sabe, o PIB aumenta. Tal como no Butão.
Então, estamos preparados para a Felicidade?



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Gentinha chata!

O facebook é um perigo! Tem coisas boa claro: coscuvilhar é mais fácil, rápido e relativamente discreto. Eu gosto disso, naturalmente!Mas depois tem outra coisa má: ficamos a conhecer melhor as pessoas. É isso mesmo que leram: ficamos a conhecer melhor as pessoas. E algumas, era bem melhor termos ficado pelo Bom Dia, Boa tarde, e Como Vai?. A verdade é que a maioria das pessoas é chata. Coloca fotos da treta, frases de um website qulquer esotérico, receitas e outras coisas chatas. Muito chatas. É verdade que este é um país livre e, portanto, cada um coloca o que quer. Mas não deixo de pensar que tudo isto de se ser livre e democrata nas redes sociais está cheio de perigos: aquela rapariga até era simpática, até eu ler as suas opiniões políticas. Aquele rapaz até era interessante até eu ver mil e uma fotos parvas com a namorada e frases de amor chatas..e conselhos de algibeira. Por favor, até a Júlia Pinheiro faz melhor.
Não me interpretem mal, eu adoro as redes sociais: sou amiga de tudo quanto é personalidade, de Ronaldo a Messi, Kate no meio e outras que tal.O problema são os outros. E tal como dizia Sartre, mesmo sem existir facebook no seu tempo " O inferno são os outros".Imagine-se o que diria Sartre  dos tempos de agora no seu blog, na sua página pessoal, no seu twitter. Como é que um filósofo radical veria estes novos tempos?Bem, tenho muita pena que não viva nesta época: eu seria sua amiga no face!
Sim, eu jurei que em 2013 ia ser mais cínica e menos honesta. Mas malta do face, vocês até podiam ajudar não era? É que assim é complicado!!!
Reformulação de ano novo: desejo que o ano 2013 traga pessoas muito interessantes à minha vida. Ideias novas e gente boa. E que não me desiludam no facebook.
Porque o facebook não é um retrato da vida. Não, é muito mais do que isso!

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Ser Português!

Acabei de regressar de Sevilha onde fui de Copas e de Tapas.
"Tudo bien chico, que Sevilha tiene um color especial". E no meio de Sevilha, comecei a pensar no que para mim é ser Português.De facto, a grande maioria dos portugueses irritam-me: deprimidos, sempre com frio ou sono, com programas preferidos como a Casa dos Segredos ( já agora, quem ganhou?) e pouca cultura em geral, os Portugueses ainda não são o povo que Fernando pessoa desejou: Senhor, falta cumprir-se Portugal.
Mas, no meio de tanta desanimação, as saudades da calçada portuguesa ( é linda, caramba é linda!), do galão, do pão, do pastel de nata, das refeições (almoço, lanche e jantar) bateram à porta. E, mesmo com a crise  que aí vem, com todos os medos válidos e receios que nos esperam, nem a Espanha, nem a França  nem o resto da Europa têm o nosso mar, o nosso Fado, as nossas mil cores.. É claro que posso emigrar: já sinto que falta pouco, que o país não me vai dar outra alternativa. E se isso acontecer, terei de levar dentro de mim toda a Portugalidade, aquela que se expressa nos poemas assim: 


Tardes da minha terra, doce encanto, 
Tardes duma pureza de açucenas, 
Tardes de sonho, as tardes de novenas, 
Tardes de Portugal, as tardes de Anto, 

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto! 
Horas benditas, leves como penas, 
Horas de fumo e cinza, horas serenas, 
Minhas horas de dor em que eu sou santo! 

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas, 
Que poisam sobre duas violetas, 
Asas leves cansadas de voar ... 

E a minha boca tem uns beijos mudos ... 
E as minhas mãos, uns pálidos veludos, 
Traçam gestos de sonho pelo ar ..


Florbela Espanca, Livro das Mágoas.