Na aldeia onde vive a minha família não há posto dos CTT mas
a junta de freguesia faz as vezes do correio. Todos os dias, gente da terra vai
levantar o seu vale de reforma. As funcionárias da junta já sabem que a senhora
Maria recebe tanto e o senhor Manuel outro tanto. Sabem o valor exacto que cada
um recebe e guardam o dinheiro religiosamente dias antes para aquele casal de
velhotes que não sabe ler nem escrever receba a sua merecida e magra reforma.
As funcionárias da junta também lêem cartas da família e enviam remessas de
dinheiro para o estrangeiro sempre que lhes pedem. Conhecem toda a gente e toda
a gente as conhece. Sei até que, algumas vezes, vão entregar o dinheiro da
reforma a casa dos mais velhos que estão acamados e que, sem família por perto,
dependem da boa vontade das funcionárias da Junta.
O correio é um bem essencial num país envelhecido em que a
taxa de analfabetismo é enorme entre a população mais idosa que não confia nos
bancos ( e já vimos que têm razão), recebe reformas vergonhosas, e que sem a
ajuda de muitos funcionários dos CTT ou das juntas de freguesia não teriam
forma de receber a sua reforma.
Se eu não vivesse neste mundo e me fechasse só no meu, o
fecho dos Correios fecharem era-me quase indiferente. Sou “moderna”, sei enviar
emails, levantar dinheiro num ATM, fazer depósitos automáticos.
Mas eu não vivo no mundo sozinha. No meu mundo vivem
crianças, adultos e idosos. Que não sabem ler. Que dependem da boa vontade de
muitos funcionários dos Correios que lhes lêem as cartas das finanças ( que
jeito que dá para o Estado). Que lhes lêem as cartas que chegam de longe. Que
lhes guardam as reformas. Que são parte da sua família.
Privatizar os correios é retirar a uma inteira geração
um porto de abrigo e de segurança sem razão, sem necessidade. Mais do que uma
empresa pública, os correios são a ponte entre os que o Estado de Salazar
abandonou e o estado moderno que Sócrates inventou. Mas a Maria e o Manuel
deste país também são cidadãos de pleno direito. E têm direito ao seu correio" Oh yes, wait a minute mister postman
Wait, wait mister postman
(Mister postman look and see) oh yeah
(If there's a letter in the bag for me)"
Please Mr Postman, Beatles.
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