Crivelli é um
autor italiano do século XV, que não se enquadra nem na pintura gótica nem na
pintura renascentista, sendo um pintor de transição. Os pintores de transição
reflectem o mundo em mudança e isso agrada-me. O Museu do Vaticano tem na
colecção quadros de Crivelli e a National Gallery de Londres também. Portugal
tinha um Crivelli, que em 1968 foi restaurado com o apoio do Estado, dado que o
quadro pertencia a uma família. Isto é muito comum. Imaginem que têm um quadro
em casa, ou uma outra qualquer peça de muito valor. O Estado não lhes pode
retirar a peça, mas pode defender que a peça tem um tal valor
simbólico-histórico -artístico, que não pode sair de Portugal. Em 2007, o tipo
da TVI, Miguel Pais do Amaral, alguém que não se sabe bem o que faz e tal,
compra o quadro e vende-o em 2001 para França, apesar de ter um parecer
negativo da Direcção Geral do Património Cultural sobre a sua venda, proibindo
o quadro de sair do território nacional. A decisão final sobre a venda ou não
do quadro deveria ser do Ministro da Cultura, que Portugal não tem. Então, a
decisão final da venda do quadro foi tomada pelo Secretário de Estado da
Cultura, um escritor de nome Francisco José Viegas, que deixa o quadro sair do
país apesar dos pareceres contrários da Direcção Geral do Património Cultural e
de todos os técnicos envolvidos no caso. Ninguém percebe como isto aconteceu. O
antigo secretário de Estado, o tal Viegas, responde desta foram elegante: "Escuso-me de comentar a hipótese de ter €2,9 milhões disponíveis (anos
antes, o Estado português não tinha disponibilizado €50,000 para ficar com a
arca de Fernando Pessoa que, aliás, é exposta sempre que o proprietário é
solicitado). Confesso, também, que gostaria de pedir o NIB de algumas das
pessoas que — com a habitual arrogância — ontem tinham redescoberto Crivelli, a
fim de custear as obras de restauro dos carrilhões de Mafra (€2M), da torre da
Sé de Lisboa, do Convento de Cristo, de S. Bento de Castris, do Forte da Graça,
etc. Dinheiro há sempre, suponho."
Bem dinheiro há sempre para BPNS, há sempre para pagar dívidas
bancárias, mas não há para comprar o quadro de vez. Mas a questão nem é essa: o
Estado não tinha qualquer necessidade de comprar o quadro, apenas teria de NÃO
o deixar sair do país. Esta é a questão. Muitos coleccionadores particulares
emprestam arte , quadros ou outros objectos para exposições permanentes ou
temporárias. Não há qualquer problema. O problema é que as obras de arte não
estão todas inventariadas como deveriam estar, porque não há dinheiro para
contratar equipas que façam um levantamento das obras de arte que existam nestes
pais. E sobretudo, neste caso, não deixar que Miguel Pais do Amaral vendesse a
obra para o estrangeiro. Das duas uma: ou ficava com o quadro na sua colecção
ou tentava vender o quadro em Portugal, com prejuízo para o próprio e não
para o país. Infelizmente não temos Ministro da Cultura nem secretários da Cultura, mas sim gente
com ideologias perigosas. Este quadro não deveria ter sido vendido para o
estrangeiro e nem era preciso que o Estado o comprasse. Bastava que a lei se
tivesse cumprido, porque era uma obra protegida pelo Estado Português. Viegas
afirma que a lei da protecção não se aplicava a Crivelli porque tinha sido
levantada. Está bem. E por quem? Bem, aí
a censura voltou porque o
processo sobre esta venda não pode ser consultado. É estranha, opaca e sobretudo
triste toda esta história. Perdeu-se mais uma vez património e ninguém sabe nem
porquê, nem como, nem quando. Apenas mais um pequeno negócio
entre amigos, mais um pequeno crime para o país. Business as usual…
A corrupção é um crime sem rosto.
Joel Birman
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