Dia 7, 8 e 9 de Janeiro todos fomos Charlie. Incomodados,
chocados, o Mundo ficou perplexo com o atentado ao jornal satírico Charlie
Hebdo e o ataque frontal à liberdade de expressão. E dia 11 o Mundo saiu à rua
com " Eu sou Charlie", porque todos somos a favor da liberdade de
expressão sem limites. Ora isso foi até dia 11, porque dia 13 já somos a favor
da liberdade de expressão desde que não ofenda ninguém. Porque a
minha liberdade acaba onde começa a do outro. Porque afinal brincar com
Maomé já não tem graça agora, agora já é demais e respeitinho é bonito e eu
gosto. Ou como disse hoje Ana Gomes no twitter, que brincar novamente
com o profeta quando se sabe que muçulmanos não estão de acordo não estão de acordo
(os 600 milhões de muçulmanos não estão de acordo? Terá a Ana Gomes falado com
todos eles e fez a média de sins e nãos?), nem em pensar. Não em nome dela. Mas
em meu nome sim. Porque a minha liberdade não pode ser menor do que a do outro.
Explicando: como ateu não me ofendo com a religião e não me importo que me
condenem ao Inferno. O outro tem toda a liberdade de brincar com o meu laicismo,
de me condenar pelo meu laicismo, de me julgar pelas minhas atitudes. Mas eu
não posso brincar com crenças, com Jesus e Maomé nem Alá porque ofende os
outros. Não posso dizer que Maomé fiz xixi nas cuecas ou Jesus não limpou o
rabo porque me torna uma herege. Ora, eu sou uma herege e é essa a minha
liberdade. Mas se a minha liberdade termina onde
começa a do outros, não posso brincar com Deuses, com livros religiosos,
com as diferentes culturas, com touradas, com circos, com os vegetarianos nem
com os carnívoros. Não posso brincar com noivos e noivas, com baptizados, com
jantares estúpidos e festas idiotas porque tudo ofende alguém. E não posso
falar muito alto sobre a violência doméstica porque " se ele ouve ainda é
pior", nem posso falar sobre o tratamento dado a minorias étnicas "
porque muito já têm eles e depois ainda é pior", não posso falar mal dos
padres " porque estamos na Igreja", nem posso falar mal da minha
vizinha que vê tudo o que é programa estúpido " porque me estou a armar".
E por isso a minha liberdade não é nenhuma. Mas os que se incomodam e ofendem
têm todas as liberdades. E eu fico sem nenhuma porque para mim a liberdade
não tem restrições, excepto as previstas na lei. Quando se ultrapassa a
liberdade, sofrem-se as consequências legais: difamação é um crime,
comportamentos xenófobos é um crime, e todos os crimes têm enquadramento legal.
Porque a minha liberdade é a democracia, a religião que os homens construíram sem
deuses, nem livros divinos, mas pelo homem e para o homem. E eu sou Charlie.
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