Porquê a política Marisa? Porquê agora? Não estás farta? O teu partido
agora vai fazer o quê? Ainda andas nisso? Mas "isso" agora é todos os
fins-de-semana?
São estas as perguntas seguidas e repetidas numa cadência quase igual e
quase diária. Porquê agora, mulher de 35 anos, que podias ter uma vida tão
calma e tão familiar e que agora, porquê
agora, andas metida “nisso”? Porque não pode ser de outra maneira, porque
tentei de todas as formas adaptar-me ao que os outros esperavam de mim e vivi
na ilusão de que esta ansiedade de mudar o mundo passasse. Mas não passou e a
gente que passa por mim é a gente que que eu também sou. E a gente que passa por mim é também aquilo que eu vivi e não consegue não
intervir, não pensar e não agir. O preço a pagar é caro e continua a ser caro
porque poucos percebem “isto” no meu país ainda tão pequenino onde as fotos
dos filhos, do marido e da família são a ocupação primordial e total de
mulheres como eu. E querer mais do que uma família ou um emprego bem remunerado
ou, pior!, deixar tudo isto em nome da política que não me dá emprego mas só
chatices, que não me dá fama mas só discussões, é querer o direito a respirar
plenamente. A intervir. A ouvir e a ser ouvida. Ter voz e deixar que a voz dos
outros flua. Debater à esquerda e à direita. Querer que a democracia não passe
por mim mas eu também faça parte da democracia. Seja qual for o preço a pagar a
liberdade de pensar, agir e intervir não tem preço. Não tem.
Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"